segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O autógrafo de uma fã

Era primavera de 2000 quando Alice já se encontrava inquieta na sala de aula, com fome e vontade de ir embora pra casa. Sabe aquela terça-feira de pura nostalgia, típica de anteceder a frase: “O que eu fiz para ser obrigada a ficar assistindo show de talentos na escola”? Pois bem. Já de cabeça baixa na mesa, contando os segundos para aquele bendito sinal tocar, Alice ouviu um violão baixinho. Ainda sonolenta levantou a cabeça para tentar identificar a canção.

Não sei que música é essa, pensou. Queria perguntar alguém, mas do lado só viu garotas conversando sobre a festa do fim de semana, e que assim como ela, estavam interessadas em qualquer coisa que não fosse a apresentação dos colegas. Alice parou para ouvir toda a música. Enquanto Luis tocava o violão, Guilherme cantava, desafinado, a letra em inglês. Muito tímida, Alice não conversava com os garotos. Preferiu ficar na sua. Naquela época não tinha internet banda larga disponível, portanto nem tinha como procurar mais informações na internet.

Chegou em casa, foi passando os canais da televisão para ver se ouvia a tal música. Só pode

ser de alguma novela, pois me parece muito familiar, contou para a mãe enquanto almoçavam. Nada.

Duas semanas depois, Alice viu um CD na mão de Luis (o do violão). Por sorte, ele deixou cair perto dos pés dela, o que a fez ter coragem para perguntar que banda era aquela. Educadamente, ele agradeceu por ela ter se abaixado para pegar o CD e respondeu rapidamente: “Esses são os Red Hot Chili Peppers”. Para não se fazer de desentendida, Alice disse que já conhecia a banda. Para a sorte dela, Luis completou “Esse CD é o Californication, que é a música que apresentamos no show de talentos”. Com os olhos brilhantes, Alice não temeu e rapidamente retrucou: Jura? Estava atrás desta música desde que ouvi vocês tocarem. Luis a ofereceu emprestado. Ela, claro, aceitou.

Foi só chegar em casa para ouvir o CD inteiro, de trás pra frente, acompanhando as letras. No mesmo dia Alice saiu para comprar uma fita cassete e gravar todas as músicas. Começou a assistir MTV e no fim de semana conseguiu gravar o clipe de Californication. Foram dois dias vendo repetitivamente o mesmo video. Juntou dinheiro, comprou o CD original. Por sorte, estava perto do seu aniversário e pediu aos seus pais para que te dessem outro CD da banda. Em apenas um mês Alice já tinha pôsteres, camisas e um vídeo com 8h seguidas dos RHCP. Ela e Luis trocavam materiais e um foi ajudando a completar a coleção do outro – Luis mais do que ela, porque já conhecia a banda há mais tempo.

Num sábado a tarde seus pais a chamaram para viajar e Alice recusou, pois na TV iria passar um especial de 2h com os Red Hot. Essa é fã, viu?!, resmungou a mãe. Aquela frase mudou a vida de Alice e ela se deu conta que realmente era fã! Tem noção do que é isso? Deixo de ser Alice para ser fã de uma banda. E assim fez. Sempre que conhecia uma pessoa nova, se apresentava como Alice, fã de RHCP – o que nem era difícil perceber, pois ela só andava com as camisas da banda.

Até aí são flores. O sofrimento da fã Alice começou quando sabia que os Chili Peppers viriam ao Brasil, pra cidade do Rock, nas férias. Perfeito, se ela pudesse ir ao show. Tinha apenas 13 anos e não tinha um tio, vizinho ou amigo dos pais que a pudessem levar. Ou seja: o jeito foi ver tudo pela TV, sofrendo como uma louca. O lado bom da trágica apresentação da banda (para Alice) foi que ela viu outros shows e percebeu que podia ir além. Alice encantou-se principalmente pelo Silverchair, que havia tocado na mesma noite que os Red Hot.

Pronto. Dali em diante, tudo quanto era cabeludo que tocasse guitarra agradava a pequena Alice. E assim perdurou por anos. O último grande ídolo foi Kurt Cobain. Alice sentiu-se comovida pela história do músico, estudou sobre o suicídio, quis saber mais da morte, do Nirvana. Passaram-se os anos e ela levou a brincadeira a sério. Na faculdade, estudou sobre a morte de personagens midiáticos e usou Cobain como personagem principal da pesquisa.

Alice foi estudar música, formou em letras, visitou Seattle, pós graduou em cinema, dirigiu um curta sobre ídolos do rock e não tão distante da sua realidade, resolveu escrever um livro resumindo sua experiência histórica com o mundo da música.

No dia do lançamento de seu livro, uma surpresa. Os Red Hot passariam pelo seu país. Cheia de amigos influentes no meio musical, devido ao curso de cinema, Alice teve a surpresa de ver o vocalista da banda na noite de seu lançamento. Naquele dia, foi ela quem deu o autógrafo. Ainda achando que era um sonho, ela foi pra casa na certeza de que aquele poderia ser o último dia de sua vida. Alice chegou em casa, dormiu realizada e experimentou o que somente um fã pode entender.

2 comentários:

  1. E não é que a história tem um final bem feliz? Muito boa a crônica!

    Bjos!

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  2. Adorei sua one ;) ainda mais eu, que sou mega fã de RHCP.
    ficou muuito boa! Parabéns ;D

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